Não  apresse o rio (ele corre sozinho)
Ivan Baptiston Foto arquivo pessoal

Pensar em rios quando festejamos uma data dedicada a eles me fez lembrar de Platão, que lá na Grécia antiga já defendia a proteção das encostas para manter o abastecimento de água da cidade de Atenas, ou de Dom Pedro II quando promoveu a recuperação da floresta dos morros da Tijuca para proteger e garantir os mananciais da cidade do Rio de Janeiro, ou ainda de toda a transformação do uso e manejo dos solos e do processo produtivo no Japão há mais de 300 anos para recuperar e conservar as fontes de água potável.

“Os rios sempre estiveram presentes em toda e qualquer civilização”

Das nascentes do Ganges, do delta do Nilo, dos cânions do Colorado ou dos vales do Urubamba, civilizações e civilizações floresceram, estabeleceram- -se e prosperaram dependentes de seus rios. Indus, egípcios, anasaxis ou incas, assim como os caingangues, txucarramães, craós, ingaricós ou xavantes, tiveram os rios como elemento natural fundamental para sua existência. Para saciar a sede, para processar seus alimentos, para navegar ou se proteger, para irrigar, drenar ou represar, para caçar, pescar ou cultivar, para se banhar, lavar-se ou se divertir, os rios sempre estiveram presentes em toda e qualquer civilização.

Rio São Francisco - Foto Divulgação

O espanhol Álvar Núñez Cabeza de Vaca navegou pelo Tibagi, pelo Ivaí, Piquiri, Iguaçu, Paraná e, finalizando sua grande epopeia pela região, navegou pelo Rio Paraguai para chegar a Asunción no ano de 1540. Mais tarde, em busca do Eldorado, subiu o Rio Paraguai até o Mar de Xaraés, nosso atual Pantanal sul-mato-grossense. De forma semelhante, as grandes expedições e aventuras pelo interior do Brasil ocorreram pelos nossos rios: Cândido Rondon e Theodore Roosevelt, pelo Rio Teles Pires e Rio das Mortes; Percy Fawcett, pelo Rio Araguaia e pelo Xingu; Georg von Langsdorff , pelos rios Tietê, Pardo, São Lourenço e Guaporé; e Spix e Martius, pelo Rio Paraíba, Itaipe e São Francisco. Os rios sempre foram nossas artérias de circulação, acesso, conhecimento e conexão.

 

“Cuidar dos rios, assim como do seu entorno, é valorizar a nossa qualidade de vida”

É fundamental entender que os rios se formam nos espaços terrestres e drenam vastas ou diminutas áreas do seu entorno, as bacias hidrográficas, e são diretamente influenciados pela qualidade delas. A quantidade, o volume das águas de cada uma dessas drenagens e, principalmente, a qualidade dos nossos rios dependem de como manejamos, tratamos e conservamos suas bacias hidrográficas. Se não cuidarmos das nascentes, se não cuidarmos de seus cursos, de suas bacias hidrográficas, se não cuidarmos de nossas ruas, de nossos campos, de nossos quintais. Cuidar dos rios, assim como do seu entorno, é valorizar a nossa qualidade de vida, é respeitar as próximas gerações, é respeitar os outros seres que, como nós, dependem da água para seguirem existindo.

“O que vamos entregar às gerações futuras?”

Há meio século, iniciei a minha vida em conexão com a natureza no riacho aos fundos da casa de meus avós. Um pequeno regato gorgolejante que fluía para o Rio dos Índios (os caingangues não estavam mais lá), que por sua vez drenava para o grande Rio Uruguai, no Oeste de Santa Catarina.

Em toda essa porção de bacia do Rio Uruguai havia uma infinidade de organismos vivos; mamíferos, peixes, répteis, aves, moluscos, crustáceos, insetos e um pluralismo de seres microscópicos; sem contar as algas, briófitas, samambaias, liquens e outros vegetais aquáticos. Em seu leito principal, o frenesi de peixes era constante, a pesca abundante, a recreação e o encantamento faziam parte da vida das pessoas que viviam na região.

Hoje, após mais de 50 anos de uso e administração desses rios, eles se encontram sujos, contaminados, enlodados, empobrecidos e circundados por agrupamentos humanos também pobres, entristecidos, com baixa estima e curto horizonte.

O Englischer Garten, um dos maiores parques urbanos do mundo, preserva o Rio Izar em Munique/Alemanha

Porém, não podemos nos esquecer das experiências bem-sucedidas de manejo e conservação de rios, de cursos de água urbanos e rurais.

Em 2015 estive em Regensburg e em Munich, na Bavária, Sudeste da Alemanha. Regensburg há séculos encanta sua população e seus visitantes com a beleza do Rio Danúbio. Enche os olhos de luz a beleza daquele rio deslizando pela velha cidade, com peixes, moluscos, aves aquáticas, algas, aguapés, um pluralismo de vida após quilômetros de drenagem pelas terras da Europa Central.

No centro de Munich, existem diversos rios e riachos, emoldurados por parques, praças, jardins, calçadas e ciclovias, onde milhares de habitantes e visitantes buscam a recreação e lazer ao ar livre.

Curitiba, há mais de um século, trabalha com parques lineares e parques de fundo de vale. Também podemos citar os trabalhos de despoluição em Seul, na Coreia, ou em Paris, na França.

 


*Ivan Baptiston é  engenheiro florestal e  analista ambiental. Foi diretor do Parque Nacional do Iguaçu


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