Saudades de nossas matarias


*Ivan Baptiston
Quando vamos construir uma casa, um prédio, uma estrada, ponte ou pinguela, o que se faz primeiro é retirar as árvores.
Um problema essas árvores! Aquele verde todo clorofilado, constantemente fotossintetizando, produzindo oxigênio; aqueles troncos enormes, galhos, ramos e folhas encharcando-se a cada chuva e, constantemente, evaporando e transpirando imensuráveis volumes de umidade; aquelas raízes profundas rompendo os solos duros ou cascalhentos, encharcando a terra; aqueles tais ciclos biogeoquímicos permanentemente circulando águas e nutrientes; aquelas copadas enormes filtrando raios solares e produzindo sombras, abrigando a passarada toda…
Se não gostamos das árvores, imagina o que sentimos pelas florestas, aquele coletivo interminável de árvores. Espero estar completamente equivocado, mas a impressão que tenho é de que ao longo da vida só vi cortarem árvores. E pouco plantarem. Basta existir para que venha alguém querendo cortar: nativas, exóticas, grandes ou pequenas, nas ruas, nos quintais, nos campos e nas florestas; se há árvores, virá alguém para cortá-las.
Boiada passando
Destruir a legislação ambiental brasileira e o Código Florestal, “passando a boiada”, absolutamente não é ignorância, é ódio das florestas, é ódio do comum, do coletivo. É odiar a natureza. E é bom separar desconhecimento, ignorância, de criminalidade, ganância ou avareza.
Desde o período imperial, a gênese do ambientalismo brasileiro se moldou no magma lúcido do reconhecimento de que as florestas constituem bem de interesse comum e são necessárias à proteção das terras que revestem. Fundamentais a toda a sociedade e a todas as espécies vivas, essenciais e estratégicas também à economia, ao bem-estar e à saúde das pessoas e da população em geral.
A restauração da floresta que cobria os morros da Tijuca, hoje Parque Nacional da Tijuca, pautou o rumo e alicerçou as bases de nosso Código Florestal. Do primeiro Código Florestal, do ano de 1934, evoluímos significativamente em nossas bases legais de proteção das florestas. Mesmo reconhecendo que pouco foi aplicado, executado, mas não há dúvida de que evoluímos. Porém, a partir do novíssimo Código Florestal, do ano de 2012, retrocedemos a cada ano. Gostaria de pensar que é por ignorância, porém, de fato, são as boiadas passando.
Quando os desastres naturais forem cada vez mais frequentes, olharemos para cima e questionaremos Deus? Talvez nós não consigamos reverter a destruição causada até aqui, mas, sim, podemos atuar a partir de agora de forma a nos garantir um lugar melhor que redomas em Marte.
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Ivan Baptiston é engenheiro florestal e analista ambiental.
Foi diretor do Parque Nacional do Iguaçu
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