“Os oceanos são o pulmão do mundo, a Amazônia é o refrigerador”


Cerca de 14 bilhões de toneladas de lixo são acumuladas nos oceanos todos os anos. Essa quantidade absurda de substâncias tóxicas gera no ambiente organismos que desequilibram a vida marinha. E como os oceanos não são separados, isto significa que a poluição é generalizada, global, assim como o impacto.
Por Amitaf Etraud*
A natureza tem capacidade de se reconstruir e se refazer, entretanto, nas três últimas décadas os níveis de poluição se elevaram de tal forma que os oceanos e mares já não conseguem se regenerar.

Marcelo Skaf, oceanógrafo, consultor ambiental, fotógrafo e cinegrafista submarino, já mergulhou nos cinco oceanos do planeta. Ele vem observando, há alguns anos, o aumento no volume de lixo e suas consequências.
Mergulhador desde os 15 anos, um dos fundadores do Instituto Baleia Jubarte, por três anos diretor do Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, Marcelo Skaf é documentarista de natureza, consultor em oceanografia e planejamento ambiental.
Em 20 anos de carreira, chegou a viver quatro meses em um barco atravessando o Atlântico. Conseguiu dar a volta ao mundo em 90 dias. E foi ele quem afirmou, em uma conversa que teve conosco, em plena pandemia da covid-19 que “a Amazônia não é o pulmão do mundo, é o refrigerador”.
A saúde dos oceanos

Imagens de poluição marinha que nos chegam de diversas partes do mundo escancaram um cenário preocupante. E sim, a situação dos oceanos é alarmante.
Como lembra Skaf, cerca de 70% da superfície do planeta é composta por água salgada, o que significa que os oceanos exercem influência direta sobre os outros 30%, que são os continentes. “Isso é verdade em muitos níveis e escalas. Os oceanos produzem o oxigênio que utilizamos para respirar”, afirma ele.
Embora se repita com frequência que “a Amazônia é o pulmão do mundo”, o oceanógrafo afirma que esse é um grande equívoco.
“O verdadeiro pulmão do planeta são os oceanos. São as algas e os fitoplânctons que produzem a maior parte do oxigênio que respiramos!”
Marcelo explica que s floresta amazônica, por sua vez, cumpre outro papel essencial: “a floresta ela é o ar-condicionado do planeta e tem grande importância no equilíbrio térmico global”.
Ou seja, o ar que respiramos vem do mar. E não só isso: os oceanos também regulam o clima, sustentam estoques pesqueiros e protegem zonas litorâneas por meio dos recifes de coral. A vida marinha — animais e plantas — é fundamental para a sobrevivência humana. No entanto, o que temos feito é acelerar a inviabilização da vida como conhecemos no planeta. “É uma incoerência destruir um lugar essencial para nossa sobrevivência”, alerta.
O preço do nosso descuido

Os sinais já são visíveis. Em locais como as Ilhas Galápagos, outrora abundantes em cardumes de tubarões, já é perceptível a drástica diminuição desses animais.
O oceanógrafo, mergulhador e ambientalista, que esteve na região em pouco antes da pandemia da covid-19, relata que guias e mergulhadores locais confirmavam a falta de peixes e tubarões.
No Brasil, o cenário não é diferente. “Já mergulhei muito por aqui e a diminuição do pescado é clara. Sem falar no aumento da quantidade de lixo no fundo do mar. Hoje há verdadeiras ilhas de plástico no Oceano Pacífico, do tamanho de países europeus, formadas por resíduos acumulados pelas correntes marítimas”, conta.
Estamos comendo plástico- Esse lixo, é claro, não desaparece. Fragmenta-se em partículas cada vez menores — e os peixes as ingerem. “Hoje você come peixe e não há como garantir que ele não contenha plástico na carne”, afirma Marcelo. As nanopartículas de plástico já são encontradas em alimentos marinhos consumidos diariamente por seres humanos.
Mudanças climáticas
Toda essa agressão ao meio ambiente contribui de forma direta para as mudanças climáticas. O desmatamento das florestas tropicais e a queima de combustíveis fósseis alteram a camada de ozônio e intensificam a incidência de raios solares sobre a Terra, o que leva ao aumento da temperatura global e ao derretimento de geleiras. Isso, por sua vez, provoca mudanças dinâmicas nos oceanos, com consequências imprevisíveis.

Essas mudanças, segundo Skaf, já estão em curso. “O microclima já mudou. Basta observar o regime de chuvas, de calor e frio ao longo das estações do ano. Em algumas regiões já chove muito mais que antes. Em outras, a seca é mais severa”.
Ele cita ainda o último verão europeu como exemplo extremo: enquanto alguns países, como a França, registraram temperaturas de até 42 °C, outros enfrentaram -15 °C.
As consequências são sentidas no campo e nas cidades. A agricultura, sensível à água, sofre com a irregularidade das chuvas — intensas em alguns períodos, escassas em outros —, o que compromete a produção. Já os centros urbanos enfrentam inundações, que causam paralisações e prejuízos à economia. “Tudo gira, gira, e cai no nosso colo de novo, trazendo problemas econômicos, sociais e de saúde”, resume. Finalizando, o especialista deixa um alerta inquietante:
“A Terra é um ser vivo. Cada vez que o ser humano altera seus processos naturais — seja com a degradação das florestas ou dos oceanos —, o planeta busca um novo equilíbrio. E esse novo equilíbrio pode não ser conveniente para nós, do ponto de vista social e econômico. É com isso que teremos de lidar.”
Descubra mais sobre Around - Por aí...
Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.